sábado, 26 de setembro de 2009

Sobre o Papel da Educação no Brasil


AFINAL, O QUE SE ESPERA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL?



Marco Túlio de Urzêda Freitas



Não há dúvidas de que vivemos uma época de modismos. É moda gostar (ou pelo menos dizer que gosta) de comida japonesa, de assistir filmes europeus e de conversar sobre as fragmentações da pós-modernidade. Há pessoas, por exemplo, que logo após lerem uma citação de Stuart Hall no texto de outros/as autores/as já se olham no espelho e dizem: "Tenho várias identidades e por isso não sei quem sou". Da mesma forma, se perguntarmos a mil professores/as o que eles/as acham que poderia ser feito para diminuir os problemas sociais, com certeza quase todos/as responderiam mais ou menos o seguinte: “Ah, a solução para os nossos problemas é a educação, porque só a educação liberta o ser humano”.


O que me incomoda nesses modismos não é o fato de vários indivíduos compartilharem a mesma opinião sobre um determinado assunto. Longe de mim pensar uma coisas dessas! Na verdade, o que me faz sentir uma coceirinha na cabeça é o fato de a grande maioria desses indivíduos se apropriarem de certas opiniões para se fazerem parte de um grupo “da moda”, sem antes avaliar o peso das metas e objetivos que norteiam suas propostas. Como já exposto, muitos/as professores/as dizem que “só a educação liberta o ser humano”, mas será que todos/as eles/as sabem ao menos explicar de quê e quais pessoas precisam ser “libertadas”? Para que esta discussão seja mais didática (olha só que palavra maravilhosa!), sugiro que, a princípio, consideremos mesmo a educação como sendo a “salvadora do mundo”. Pensemos assim: “O conhecimento traz liberdade! Escolas e universidades podem, juntas, transformar a realidade social e nos tornar pessoas mais críticas e socialmente engajadas!”


Errado! A coisa não é bem assim. Se a educação é mesmo essa “cura”” para os problemas sociais, como poderíamos, então, explicar o silêncio cada vez mais notável do racismo no Brasil? Como poderíamos, também, discutir a pouca visibilidade das mulheres, dos povos indígenas, dos homossexuais, dos travestis, dos transgêneros e dos/as garotos/as de programa? Se a educação realmente pretende modificar a realidade para tornar a vida mais acessível a todos/as, parece no mínimo incoerente que essa mesma realidade permaneça voltada a grupos específicos, haja vista a quantidade de escolas e universidades públicas e privadas espalhadas pelo país. Neste ponto, me cabe propor algumas perguntas: "Onde está o problema? Por que essas vozes ainda são marginalizadas? Ou melhor, será que todos/as ao menos reconhecem a marginalização dessas vozes? Será que elas não fazem diferença no cenário político nacional?"


Ah, mas é claro que fazem! Aliás, elas fazem toda diferença, pois é quando tentamos ouvi-las que percebemos o nosso fracasso como seres humanos. Mas a questão é que os centros educacionais parecem não enxergar ou reconhecer essa “segregação de vozes” como um problema. É nessas horas que me convenço mais ainda dos modismos sobre os quais falei anteriormente. Olha só! Será que todos/as os/as professores/as e demais profissionais que definem a educação como “a solução para os problemas sociais” já leram a obra de Paulo Freire e, portanto, estão conscientes de que a voz do oprimido precisa ser libertada e a sua situação colocada em debate dentro e fora da sala de aula? De modo mais direcionado, será que o/a diretor/a de um colégio que aprova noventa e cinco por cento de seus/suas alunos/as para os considerados “melhores cursos superiores” em universidades públicas (a saber, Medicina, Odontologia, Farmácia, Fisioterapia e, quando muito, Ciências Biológicas) está preocupado com a consciência crítica desses/as alunos/as no que tange ao seu comportamento social? Quanto a isso, devo confessar que tenho minhas dúvidas.


"Mas não nos preocupemos, pois se o ensino regular não consegue formar cidadãos/ãs críticos/as, com certeza a universidade o fará”. Errado de novo! Como aluno de um curso de licenciatura, posso garantir que somos formados/as, primordialmente, para atuar no tão famoso e competitivo mercado de trabalho. Com exceção de uma ou duas disciplinas “mais críticas e humanizantes”, somos treinados/as para ganhar dinheiro. A parte da crítica e da cidadania entra como “atividade coadjuvante”, assim como acontece nos demais cursos de formação superior. No entanto, é bom deixar claro que a culpa não é dos/as meus/minhas professores/as, mas do sistema que os/as escravizou e que ao longo do tempo os/as fez acreditar na impossibilidade de subversão dos paradigmas institucionais. Definitivamente, “o buraco é mais embaixo”. Só para se ter uma ideia, mesmo dentro das universidades, tanto públicas quanto privadas, continua-se concebendo o conhecimento como individual e produzido essencialmente pelas classes elitizadas. Assim, trazer o marginalizado para o centro dessa “produção de conhecimento” se configura como um desafio aos poderes sociohistoricamente constituídos. “Que se danem as pessoas negras! Que se danem os povos indígenas! O conhecimento é aqui e somos nós que devemos produzi-lo!” É geralmente assim que percebo a situação nos ambientes formais de aprendizagem, ainda que de uma forma, digamos assim, não tão explícita e declarada.


Se queremos mesmo acreditar que a educação pode contribuir significativamente com a construção de uma realidade menos problemática e opressiva, isto é, que opere na resolução de problemas sociais mais urgentes, penso que, como professores/as e/ou cidadãos/ãs politicamente posicionados/as, devemos abrir os olhos para esses problemas e encará-los como verdades, e verdades das quais fazemos parte. A título de exemplo, ao defender os princípios da pedagogia feminista na formação crítica de homens e mulheres, Guacira Lopes Louro afirma que a transformação da realidade depende do seu desvelamento. Isso significa que devemos estar atentos/as às diversas formas de dominação vigentes na sociedade e, uma vez conscientes de seus efeitos, agir em prol de sua desestabilização.


Em outras palavras, é preciso ir além do mercado de trabalho, do capital e, é claro, do célebre e tão visado vestibular. É preciso transcender esse viés de “educação bancária” para sugerir uma forma de ensinar mais crítica e menos individualista. Mas isso dependerá do que cada um/a espera da educação no Brasil: se apenas retorno financeiro, teremos uma legião de pessoas “bem de vida”, mas possivelmente racistas, etnocêntricas, homofóbicas, enfim, alienadas e presas a um falso e conveniente conceito de cristianismo; se também uma espécie de crítica social e exercício de cidadania, teremos, com certeza, mais vozes podendo agir na luta por igualdade. Resta-nos saber, entretanto, se essa igualdade é um desejo comum a todos/as os/as brasileiros/as. Como ainda não há uma resposta para essa questão, sugiro que nos sentemos para assistir atentamente os próximos capítulos dessa história de descoberta e, sobretudo, de desafio e superação.


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Abaixo segue o vídeo de uma entrevista com a professora e militante pelas causas de gênero e raça bell Hooks. Nele, ela sugere que a educação deve de alguma forma ser crítica, no sentido de preparar os/as aprendizes para transformar a realidade.







QUESTÕES PARA DEBATE


1. Qual é a importância da cultura popular na construção de uma sociedade mais igualitária?
2. Na posição de professore/as, como podemos transformar nossas aulas em momentos de reflexão e crítica social?
3. Por que temos permitido que a educação se torne um mero produto de consumo?
4. Será mesmo que as primeiras nuances de transformação decorrem das práticas de sala de aula?



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