segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Abraços Partidos" : o Novo Projeto de Pedro Almodóvar

Penélope Cruz em uma das cenas de Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos),
o novo filme do cineasta espanhol Pedro Almodóvar - 2009


E AGORA, O QUE SERÁ QUE ALMODÓVAR PRETENDE
COM OS
SEUS
"ABRAÇOS PARTIDOS"?



Marco Túlio de Urzêda Freitas


Abraços de amor, de paixão, de dor, de saudade ... São esses os tipos de abraço que pude observar nas cenas da primeira versão do trailer de Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos), o novo filme do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Alguns críticos de cinema dão conta de que a nova produção de El Deseo tem tudo para dar certo. Outros alegam que o referido diretor não está na melhor fase de sua carreira. Eu, particularmente, acredito que estamos prestes a tomar conhecimento de uma história no mínimo intrigante e provocativa.

Tal como em A Lei do Desejo (La Ley del Deseo - 1987), Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre - 1999), Fale com Ela (Hable con Ella - 2002), Má Educação (La Mala Educación - 2004), entre tantos outros, Almodóvar parece nos convidar mais uma vez a refletir sobre o estranho, o proibido e o "absurdo" nas relações humanas. Afinal, é nessa proposta de transgressão que residem suas críticas mais contundentes às normas de regulação da vida social, entre as quais se destacam a repressão dos desejos e o adestramento dos corpos.

O mais interessante é que já no trailer de Abraços Partidos, Almodóvar nos possibilita notar a presença de alguns elementos típicos de sua obra, tais como a complexidade do roteiro e o jogo de cores fortes (vermelho, amarelo, verde, azul etc) colocadas em contraste nos mesmos cenários para dar um tom de fantasia ao realismo das ações e dos diálogos proferidos pelas personagens. Além disso, novamente teremos o prazer de contemplar o talento de Penélope Cruz na pele de mais uma das lendárias "mulheres de Almodóvar". Após dar um banho de interpretação como a forte Raimunda de Volver (2006) e a desvairada Maria Helena de Vicky Cristina Barcelona (2009), a bela promete arrancar elogios da crítica ao viver os conflitos de uma mulher em busca de seu primeiro trabalho como atriz.

Outro destaque do longa se concentra na trilha sonora, que desta vez, além das músicas de língua espanhola, traz a gravação de Werewolf (Michael Hurley) por Cat Power (2003). Na verdade, esta é uma característica do estilo "pós-colonial" de Pedro Almodóvar: unir diferentes línguas para compor os temas musicais de suas histórias. Nada de "opressão linguística"! A questão, como já mencionado, recai sobre a liberdade criadora do artista, que não vê limites históricos, culturais e geográficos que possam desviar o foco e a essência de sua obra.

Por tudo isso, acredito que Abraços Partidos será mais um grande sucesso de bilheteria. Ponto para o cinema europeu? Não! Ponto para a Arte e para os/as admiradores/as incondicionais do melhor estilo Almodóvar! Abaixo, segue a versão do último trailer divulgado pelo site Youtube. A todos/as, uma boa experiência de reflexão!



Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos) - 2009



ALGUMAS FOTOS DO FILME








Comunidade no Orkut : "Ensino Crítico de Línguas"

COMUNIDADE NO ORKUT:
Ensino Crítico de Línguas




DESCRIÇÃO


Marco Túlio de Urzêda Freitas


Esta comunidade é para professores/as e alunos/as que acreditam na possibilidade de um mundo menos opressivo a partir da sala de aula de língua materna e/ou estrangeira. O que a língua faz? O que podemos fazer com a língua? Se nos ativermos à teoria saussureana, veremos que por muito tempo a língua foi dada como um mero sistema de regras, ou, se preferirmos, como uma estrutura independente da cultura e, portanto, da sociedade. Agora, se considerarmos o que dizem as teorias linguísticas pós-estruturalistas, chegaremos a outra conclusão, pois nesses estudos a língua deixa de ser algo neutro para se tornar uma entidade capaz de produzir ações em âmbito social. Desse modo, fazer uso de uma língua, seja ela qual for, significa agir no mundo, o que, nas palavras de Paulo Freire, se dá por intermédio do diálogo e da transformação da realidade.



E aí, quem vai tomar parte nessa luta por uma educação de línguas menos técnica e mais emancipatória, crítica e subversiva?



Link da comunidade:
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=91117855




"EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE"

Paulo Freire

domingo, 25 de outubro de 2009

Laura e a Metáfora de "Rosas Azuis"



O Zoológico de Vidro (The Glass Menagerie) - 1973



On the significance of Blue Roses in the play
The Glass Menagerie, by Tennessee Williams



Marco Túlio de Urzêda Freitas


It is a sure thing that a work of Art somehow represents reality. That is why most of readers often identify with the proceedings of a story. In this perspective, some people would say: This is the magic of Literature! Moreover, books use to hide secrets. For this reason, we can state that writing literarily involves a whole process of concentration and creativity, that is, of building up a narrative surrounded by symbols. According to Mark Flanagan, symbols are people, colors, places, or things used to represent something beyond the text. Thus, we could say that a symbol does not refer to a single literal meaning, but also contains additional possibilities of significance.


Such as in the play The Glass Menagerie, by Tennessee Williams, we have lots of symbols to portray the circumstances under which the characters Amanda, Tom, and Laura live. First of all, it is important to consider that this play symbolizes the attempt of some people to escape from reality. While Amanda tries to create a time that she has never lived in order to mask her present-day life and Tom insists on going to the cinema so as to run away from a kind of insatisfaction with his own profession, Laura seems to be outside the world for she does not have any sense of what it means to exist. In terms of symbology, she could be related to glass ornaments, that is to say, to being fragile, beautiful, and unchangeable. However, despite all the aspects we could take to explain Laura’s character, there is a moment in the play, to be precise, in the scene 2, where the reader is led to go deep into what a symbol suggests about her. It refers to when she tells Amanda about a high-school boy who used to call her Blue Roses.


But, what does Blue Roses mean? Firstly, let’s consider both terms separately. As an adjective, the word blue characterizes the noun roses. According to some dictionaries concerned with symbolism in Literature, blue is normally used to express feelings of spirit and intellect. Besides, it is the color of the sky, the heaven, and the water, which gives us a sense of transparency, loyalty, constancy, truth, eternity, and immensity. The same way, it might suggest innocence and purity, since many babies are born with blue eyes. On the other hand, with reference to the word roses, we could say that, in relation to mythology, it refers to what budded from the blood of Adonis for the love of Aphrodite. As a result, it has become a symbol of kindness and resurrection. Differently, regarding Christian symbolism, it implies two main possibilities of significance: the red rose referring to the blood of Jesus on the cross and the rose itself representing the Virgin Mary, namely beauty, perfection, grace, and virginity. Of course, I could not finish this explanation without mentioning the most common and traditional meanings of blue and rose: the first as an indication of sadness and the second as something related to love, sensuality, and seduction.


If we pay attention to Laura, we will see that she is the only character in the play that does not hurt anyone. Although she is physically and emotionally crippled, she is not worried about getting money or building up a different life, since she is a kind of dream herself. In opposition to her mother, who tries to create a world to pretend she does not have problems, and her brother, who faces the movies as an alternative way to triumph over his own insatisfaction, Laura seems to be afraid of living. For instance, Tom and Jim see her as an exotic creature, totally different from the rest of the world. Maybe for this reason her presence is almost ghostly and her lack of connection with others makes her dependent on both Tom and Amanda. By this means, regarding the word blue as the color of the sky, the heaven, and the water, we could say that Laura is really transparent and loyal as a human being, seeing that she does not get to hide what she is feeling and all the fears she cultivates inside. Also, she can be considered pure and innocent for the reason that she faces the world as a kind of mystery - just like a little child. Conversely, with regards to the word roses, we could add some more information about her, such as her beauty and the fact that she seems to be perfect at a time of great sadness and depression.


Here there must be a question: What about the Blue Roses? How would these words operate together so as to define Laura Wingfield? In order to explain it, I think it is necessary to consider the traditional significance of blue and roses, to be exact, sadness and love/seduction, to understand how this symbology works to portray Amanda’s daughter. Therefore, as Blues Roses Laura would be a beautiful and sad girl who tries to avoid life due to the fears she cultivates in relation to it. As a consequence, she becomes an attractive image for the men, given that her private characteristics are presented as both atypical and admirable. In other words, she becomes a kind of person who seduces through what is not common in a woman. Like this, considering that Blue Roses do not exist in the natural world, Jim may have referred to Laura’s unusual manners when he started to call her that way. In brief, despite all the meanings which rely on the words blue and roses, we could say that more important than seeing Jim’s nickname for Laura as an allusion to her constancy, truth, transparency, love, and beauty, is to consider its attempt to suggest her sadness and isolation. After all, regardless of the family she has, Laura seems to be always alone and different from others.



quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Identidade e Personalidade

The Scream - O Grito (1893) - Edvard Munch


VOCÊ TEM MEDO DE QUÊ?


Marco Túlio de Urzêda Freitas


Eu descobri que tenho medo das pessoas, inclusive das mais próximas. Todos/as são muito estranhos/as e ... complicados/as. Imprevisíveis, eu diria. No entanto, o que mais me apavora é saber que também tenho medo de mim, do que sou capaz de fazer para me sentir "melhor" e ... "mais feliz". Às vezes, nem me reconheço. Sei lá, fico naquela de pensar que poderia ser "menos puritano" e mais disposto a viver a vida sem grandes medos e receios, mas ... isso é muito difícil! Definitivamente, não sou assim.

Sabe que até já tentei usar máscaras para não sofrer tanto e não ser tão diferente das outras pessoas? Uma súbita vontade de ser igual a todos/as! De repente, me vi fazendo coisas que não eram minhas ... coisas que me deixavam desconfortável. Não estou querendo dizer que somos uma coisa só, mesmo porque sempre defendi a existência de uma fluidez que opera na construção de nossas identidades. Em outras palavras, apesar de nossas peculiaridades éticas e comportamentais, tenho plena consciência de que, como seres humanos, estamos sempre sujeitos à descontrução do que acreditamos ser nosso. Mas, enfim ... a questão é que não adianta forçar a barra. Tudo deve acontecer o mais naturalmente possível. Sem pressão.

Antigamente, eu me recusava a acreditar no amor. No fundo, eu acreditava, mas não queria dar o braço a torcer. Sempre recorria às palavras de Augusto dos Anjos, Nelson Rodrigues, Virginia Woolf, Clarice Lispector e Hilda Hilst para fundamentar minhas ideias pessimistas em relação à vida. Pois bem, após conversar muito com amigos/as que se diziam perdidamente apaixonados/as, decidi não apenas assumir que acreditava no amor, mas também que tinha vontade de viver essa experiência de "renovação" e "plenitude". Comecei a deixar meus livros de lado, a dizer "não" para o trabalho ... tudo com o propósito de amar e de ser amado. Lugares, baladas, conversas. Músicas, bebidas, olhares. Nada feito. Ninguém. Apenas uma descoberta: não sou assim e não preciso desse comportamento falso para ser feliz!

Quem me conhece sabe que desde criança tento fazer de tudo para me sentir aceito. Mas essa palhaçada chegou ao fim! Sabe por quê? Porque me dei conta de que estava me transformando em outra pessoa, com atitudes e pensamentos artificiais. Entretanto, isso não quer dizer que eu condene o que os outros fazem para se divertir ou para se sentirem completamente realizados ... não é isso! O fato é que minha felicidade não depende de festas, bebidas e pegações. Se isso é certo ou errado, não sei. Só sei que, mesmo tendo feito de tudo para ser "diferente", permaneço fora do grupo de pessoas que já viveram "um grande amor", talvez por falta de autenticidade ou coragem de olhar minha própria vida nos olhos. Vai saber, não é mesmo?!

Como resultado de toda essa história, retomei minhas atividades. Leio, escrevo e trabalho. Converso. Ouço. Observo as coisas que acontecem ao meu redor para retirar delas alguma experiência que ainda não tenha vivido. Gosto disso e não me sinto menor ou menos experiente por analisar conflitos que não são meus. Ao contrário, sinto que aprendo muito com eles. Aprendo a ver que a fantasia só existe mesmo nos contos de fadas. No que se refere ao amor ... talvez um dia possa conhecê-lo, mas não da forma como descrevi anteriormente. Comigo, prefiro que as coisas sejam mais tímidas e um tanto ... "anormais". Eita mundo estranho! Pessoas e sentimentos em descontrole. Tudo me causa pavor. Por isso, grito ... de desespero.


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Corpos que Falam



Café Müller - Pina Bausch (1978)




OS DEVANEIOS DO CORPO


Marco Túlio de Urzêda Freitas



Não sei por quê, mas ... toda vez que assisto o espetáculo de dança Café Müller, da coreógrafa alemã Pina Bausch, me emociono muito. Há quem diga: "Não sei como é possível alguém se emocionar com essa coisa estranha ... duas mulheres horríveis dançando de olhos fechados e um homem com cara de nada afastando cadeiras de cafeteria em cima de um palco". No entanto, acho que é exatamente essa simplicidade, essa estranheza, essa "falta de significado" que me desconcerta. São corpos indecisos que se movimentam liricamente; corpos que parecem buscar na loucura e no sofrimento uma espécie de acolhimento, de presença, de libertação. Essas mulheres fora dos padrões de beleza dançando de olhos fechados, bem como a figura desse homem triste que as auxilia retirando de seu caminho as dezenas de cadeiras espalhadas pelo palco me levam a refletir sobre as seguintes questões: O que significa ser um corpo masculino/homem? O que significa ser um corpo feminino/uma mulher? O que significa ser um corpo socioculturalmente construído? Ao ler a biografia de Bausch, vejo que um dos principais objetivos de seu trabalho era de fato discutir o papel do sexo e do gênero em uma sociedade marcada pela dicotomização e adestramento dos corpos. Como reagimos a tudo isso? O que podemos fazer para nos libertar dessas amarras sociais? Essas são algumas das perguntas que sempre me faço após assistir Café Müller. Tudo parece muito próximo de mim, de meus próprios devaneios. Talvez por isso me sinta tão ... emocionado.



ALGUMAS FOTOS DE PINA BAUSCH
NO ESPETÁCULO CAFÉ MÜLLER













domingo, 27 de setembro de 2009

Relato de uma Tentativa de Fuga



Uma combinação perfeita


Marco Túlio de Urzêda Freitas


Quase nunca me programo para sair de casa. Coisa de quem se dedica mais ao trabalho e aos livros do que a si mesmo. Por isso, não imaginava que um simples entardecer de sábado pudesse ser tão prazeroso.

Pela segunda vez, a Senhora P. e eu decidimos ir a um lugar que aqui chamarei de Refúgio. No caminho, conversamos sobre várias coisas: nossa vida profissional, nossos medos, frustrações e, é claro, sobre sexo. Nossa, mas como é bom falar de sexo, não é? Sei lá, parece que sentimos o prazer no pensamento, na boca, nas palavras que dizemos e ouvimos uns/umas dos/as outros/as. Às vezes, chegamos a nos sentir tocados/as. Olha só que coisa mais estranha!

Em menos de quinze minutos, avistamos o Refúgio. Tudo muito bem arrumado e aconchegante, músicas agradáveis, mesas cuidadosamente decoradas e móveis típicos de ambientes ... europeus?! Nos sentamos para conversar e ... acabamos conversando mais do que deveríamos. Sempre é assim.

Cada um pediu o seu café e o seu charuto tipo cigarrilha jewels: uma combinação perfeita para quem pretente se ausentar de si mesmo/a por alguns instantes. Muito bom sentir o gosto de um Café Viennense! Muito bom fugir da realidade! Nada de vício. Trata-se apenas de um momento como outro qualquer. Grandes prazeres e grandes descobertas. Outras percepções. Duas vidas e um sonho de felicidade.

sábado, 26 de setembro de 2009

Sobre o Papel da Educação no Brasil


AFINAL, O QUE SE ESPERA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL?



Marco Túlio de Urzêda Freitas



Não há dúvidas de que vivemos uma época de modismos. É moda gostar (ou pelo menos dizer que gosta) de comida japonesa, de assistir filmes europeus e de conversar sobre as fragmentações da pós-modernidade. Há pessoas, por exemplo, que logo após lerem uma citação de Stuart Hall no texto de outros/as autores/as já se olham no espelho e dizem: "Tenho várias identidades e por isso não sei quem sou". Da mesma forma, se perguntarmos a mil professores/as o que eles/as acham que poderia ser feito para diminuir os problemas sociais, com certeza quase todos/as responderiam mais ou menos o seguinte: “Ah, a solução para os nossos problemas é a educação, porque só a educação liberta o ser humano”.


O que me incomoda nesses modismos não é o fato de vários indivíduos compartilharem a mesma opinião sobre um determinado assunto. Longe de mim pensar uma coisas dessas! Na verdade, o que me faz sentir uma coceirinha na cabeça é o fato de a grande maioria desses indivíduos se apropriarem de certas opiniões para se fazerem parte de um grupo “da moda”, sem antes avaliar o peso das metas e objetivos que norteiam suas propostas. Como já exposto, muitos/as professores/as dizem que “só a educação liberta o ser humano”, mas será que todos/as eles/as sabem ao menos explicar de quê e quais pessoas precisam ser “libertadas”? Para que esta discussão seja mais didática (olha só que palavra maravilhosa!), sugiro que, a princípio, consideremos mesmo a educação como sendo a “salvadora do mundo”. Pensemos assim: “O conhecimento traz liberdade! Escolas e universidades podem, juntas, transformar a realidade social e nos tornar pessoas mais críticas e socialmente engajadas!”


Errado! A coisa não é bem assim. Se a educação é mesmo essa “cura”” para os problemas sociais, como poderíamos, então, explicar o silêncio cada vez mais notável do racismo no Brasil? Como poderíamos, também, discutir a pouca visibilidade das mulheres, dos povos indígenas, dos homossexuais, dos travestis, dos transgêneros e dos/as garotos/as de programa? Se a educação realmente pretende modificar a realidade para tornar a vida mais acessível a todos/as, parece no mínimo incoerente que essa mesma realidade permaneça voltada a grupos específicos, haja vista a quantidade de escolas e universidades públicas e privadas espalhadas pelo país. Neste ponto, me cabe propor algumas perguntas: "Onde está o problema? Por que essas vozes ainda são marginalizadas? Ou melhor, será que todos/as ao menos reconhecem a marginalização dessas vozes? Será que elas não fazem diferença no cenário político nacional?"


Ah, mas é claro que fazem! Aliás, elas fazem toda diferença, pois é quando tentamos ouvi-las que percebemos o nosso fracasso como seres humanos. Mas a questão é que os centros educacionais parecem não enxergar ou reconhecer essa “segregação de vozes” como um problema. É nessas horas que me convenço mais ainda dos modismos sobre os quais falei anteriormente. Olha só! Será que todos/as os/as professores/as e demais profissionais que definem a educação como “a solução para os problemas sociais” já leram a obra de Paulo Freire e, portanto, estão conscientes de que a voz do oprimido precisa ser libertada e a sua situação colocada em debate dentro e fora da sala de aula? De modo mais direcionado, será que o/a diretor/a de um colégio que aprova noventa e cinco por cento de seus/suas alunos/as para os considerados “melhores cursos superiores” em universidades públicas (a saber, Medicina, Odontologia, Farmácia, Fisioterapia e, quando muito, Ciências Biológicas) está preocupado com a consciência crítica desses/as alunos/as no que tange ao seu comportamento social? Quanto a isso, devo confessar que tenho minhas dúvidas.


"Mas não nos preocupemos, pois se o ensino regular não consegue formar cidadãos/ãs críticos/as, com certeza a universidade o fará”. Errado de novo! Como aluno de um curso de licenciatura, posso garantir que somos formados/as, primordialmente, para atuar no tão famoso e competitivo mercado de trabalho. Com exceção de uma ou duas disciplinas “mais críticas e humanizantes”, somos treinados/as para ganhar dinheiro. A parte da crítica e da cidadania entra como “atividade coadjuvante”, assim como acontece nos demais cursos de formação superior. No entanto, é bom deixar claro que a culpa não é dos/as meus/minhas professores/as, mas do sistema que os/as escravizou e que ao longo do tempo os/as fez acreditar na impossibilidade de subversão dos paradigmas institucionais. Definitivamente, “o buraco é mais embaixo”. Só para se ter uma ideia, mesmo dentro das universidades, tanto públicas quanto privadas, continua-se concebendo o conhecimento como individual e produzido essencialmente pelas classes elitizadas. Assim, trazer o marginalizado para o centro dessa “produção de conhecimento” se configura como um desafio aos poderes sociohistoricamente constituídos. “Que se danem as pessoas negras! Que se danem os povos indígenas! O conhecimento é aqui e somos nós que devemos produzi-lo!” É geralmente assim que percebo a situação nos ambientes formais de aprendizagem, ainda que de uma forma, digamos assim, não tão explícita e declarada.


Se queremos mesmo acreditar que a educação pode contribuir significativamente com a construção de uma realidade menos problemática e opressiva, isto é, que opere na resolução de problemas sociais mais urgentes, penso que, como professores/as e/ou cidadãos/ãs politicamente posicionados/as, devemos abrir os olhos para esses problemas e encará-los como verdades, e verdades das quais fazemos parte. A título de exemplo, ao defender os princípios da pedagogia feminista na formação crítica de homens e mulheres, Guacira Lopes Louro afirma que a transformação da realidade depende do seu desvelamento. Isso significa que devemos estar atentos/as às diversas formas de dominação vigentes na sociedade e, uma vez conscientes de seus efeitos, agir em prol de sua desestabilização.


Em outras palavras, é preciso ir além do mercado de trabalho, do capital e, é claro, do célebre e tão visado vestibular. É preciso transcender esse viés de “educação bancária” para sugerir uma forma de ensinar mais crítica e menos individualista. Mas isso dependerá do que cada um/a espera da educação no Brasil: se apenas retorno financeiro, teremos uma legião de pessoas “bem de vida”, mas possivelmente racistas, etnocêntricas, homofóbicas, enfim, alienadas e presas a um falso e conveniente conceito de cristianismo; se também uma espécie de crítica social e exercício de cidadania, teremos, com certeza, mais vozes podendo agir na luta por igualdade. Resta-nos saber, entretanto, se essa igualdade é um desejo comum a todos/as os/as brasileiros/as. Como ainda não há uma resposta para essa questão, sugiro que nos sentemos para assistir atentamente os próximos capítulos dessa história de descoberta e, sobretudo, de desafio e superação.


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Abaixo segue o vídeo de uma entrevista com a professora e militante pelas causas de gênero e raça bell Hooks. Nele, ela sugere que a educação deve de alguma forma ser crítica, no sentido de preparar os/as aprendizes para transformar a realidade.







QUESTÕES PARA DEBATE


1. Qual é a importância da cultura popular na construção de uma sociedade mais igualitária?
2. Na posição de professore/as, como podemos transformar nossas aulas em momentos de reflexão e crítica social?
3. Por que temos permitido que a educação se torne um mero produto de consumo?
4. Será mesmo que as primeiras nuances de transformação decorrem das práticas de sala de aula?



Música