quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um Sonho de Amor ... e Nada Mais!


UM SONHO DE AMOR

(Marco Túlio de Urzêda Freitas)

E deste amor
carrego apenas
meus desejos.
Desejos de
ser amado.
Simples,
com amor.
Apenas assim,
feito espada
e corpo.
De repente,
me vejo debruçado
sobre minhas próprias
angústias e
prazeres.
Grito, às vezes.
E acordo.
E vejo
todo este sonho
como fantasia.
Nada mais
me resta,
além de um súbito
desejo de culpa,
de sentir.
Enfim, de descobrir-me
digno do
amor.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Entre o Sorriso e a Lágrima



O TAL HOMEM VESTIDO DE PALHAÇO

Marco Túlio de Urzêda Freitas

Naquele dia, teve uma surpresa. De mãos dadas com a mãe, percebeu que o tempo não estava mais tão alegre como quando chegaram à casa da felicidade. Olhou para o céu e viu que dezenas de nuvens de prata se aproximavam. Algo de mistério e revelação. No mesmo instante, notou a presença de alguém que os observava de longe. Era um homem ... um homem vestido de palhaço. Mas um palhaço diferente dos outros. Parecia carregar uma cruz maior do que o mundo nas costas. Em seus olhos, via-se apenas um brilho de dor e sofrimento. Nada mais lhe restava. Nenhuma lembrança. Nenhum sinal de prazer ou de alegria.

O menino, então, parou de frente a uma árvore sem vida, soltou-se abruptamente das mãos da mãe e correu para se encontrar com o tal homem vestido de palhaço. Ao chegar, abraçou suas pernas como se já fossem velhos amigos. O homem, por sua vez, colocou-se de joelhos e, no mais profundo silêncio, tocou as bochechas do pequenino com ternura. Um tímido sorriso e uma singela gota de tristeza nos olhos. Começou a chorar. Mas nada de muito clamor. Apenas algumas poucas lágrimas derramadas liricamente sobre as marcas de um rosto em processo de desconstrução. Um choro contido e, ao mesmo tempo, libertador. Algo estranho, mas profundamente verdadeiro.

A princípio, como já era de se esperar, o menino não entendeu o que estava acontecendo. E sabe-se lá por qual motivo, não quis fazer nenhuma pergunta. Preferiu continuar calado. Olhava para o homem como se através de sua dor ele pudesse viver intensamente os conflitos e as contradições da vida. "Um palhaço triste?" Naquele dia, longe das mãos da mãe, percebeu que antes de ser palhaço, aquele palhaço era um homem. E cresceu acreditando que todos/as somos a mistura da tristeza com a felicidade. Um pouco de sorriso e um pouco de lágrima. Sempre ... uma espécie de entre-lugar.


Nós e o Desejo




O BONDE DE UMA VIDA CHAMADA DESEJO


Marco Túlio de Urzêda Freitas


Vida e desejo. Palavras bonitas, não? Sim, bonitas e ... um tanto polêmicas. Mas, será que é possível conceber uma sem a outra? Sinceramente, acho que não. E o engraçado é que quando li pela primeira vez Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire) não me dei conta de que alí estava uma bela história de como nossas vidas operam contra e, ao mesmo tempo, a favor do desejo.

Na verdade, desejamos o tempo todo. A cada instante, é um desejo diferente. Desejamos um abraço de amigo/a, um beijo qualquer, um aperto de mão. Desejamos um trabalho, boas horas de sono, assitir televisão. Claro, como seres humanos, desejamos também o toque, o sentimento, o sexo. Eu diria que ... somos desejo, ainda que às vezes timidamente. Em outras palavras, desejamos porque estamos vivos/as. Assim, o desejo se consolida como parte da vida. Mas tudo bem, não estou dizendo que o amor não existe. Não é isso! Só acho que todo amor, por mais puro que seja, não abre mão do desejo.

Como seres autênticos, desejamos de formas diferentes. Na peça Um Bonde Chamado Desejo, por exemplo, vemos que o desejo se manifesta sob diversas perspectivas. Isso acontece porque as pessoas não compartilham as mesmas experiências de vida. Apesar de irmãs, Stella e Blanche Dubois são duas mulheres distintas. Stanley Kowalski, por sua vez, em muitos aspectos se distancia da figura de outros personagens da peça. Conclusão: pessoas diferentes, desejos diferentes. Para começar, homens e mulheres não são criados/as para desejar do mesmo jeito. Por isso, quando há uma transgressão de desejo, há também uma consequência. No caso da personagem Blanche, que não se atreveu apenas a sentir, mas expressar os seus desejos ... dois castigos: a loucura e a solidão.

O desejo sempre será um entrave na vida de quem o assume, principalmente quando se trata de um desejo-tabu (o que, cá entre nós, não passa de uma redundância, pois o desejo em si já se afirma como tabu). Certa vez, uma aluna disse que o que Blanche sofreu está no passado, que as mulheres de hoje não sofrem mais esse tipo de preconceito. Será mesmo? Na realidade, tenho certeza que não! Não mesmo. Tanto que quando me proponho a olhar minhas amigas, minhas primas e vizinhas, o que mais vejo são mulheres tendo que ocultar os seus desejos para não serem tarjadas como "aquelas perdidas da sociedade".

O que se espera da mulher dita pós-moderna ou contemporânea, em termos de desejo, é praticamente o mesmo que se esperava nas décadas de trinta, quarenta e cinquenta. Poucas coisas mudaram em relação a isso. A imagem feminia ainda continua sublime, profética e dessexualizada; diferentemente da do homem, que para provar que é homem (ou "macho"), deve mostrar a todos/as que é um poço de desejos. Caso contrário, enfim, sabemos o que acontece. Se não for "homem de verdade", seus desejos devem permanecer no vazio, no silêncio, fadados à completa repressão. Coisas da vida! Coisas de uma sociedade que não consegue viver sem o famoso "jogo das hierarquias".

Me lembro muito bem da famosa frase de Blanche Dubois: "Sempre confiei na bondade dos desconhecidos". Hoje, percebo que todos/as nós temos um pouco disso, de Blanche, de sempre confiar na bondade dos desconhecidos. Geralmente nos preocupamos muito com o que os outros vão pensar de nós, de nossas ações, de nossas experiências, de nossos desejos. E atenção para um detalhe: esses outros são pessoas que, na maioria das vezes, nem conhecemos. Como explicar, então, essa dependência, essa necessidade de aprovação? Penso que o que nos falta é uma melhor compreensão do que sentimos e do que precisamos para sermos felizes. Nos falta assumir que somos desejo e que por isso, se estamos vivos/as, desejamos o tempo todo.

De fato, não acredito que pecamos ao desejar, a menos que tomemos a voz dos outros como a voz de Deus. O desejo faz parte de nós, de nossa rotina de trabalho, de nossos estudos, de nossa vida familiar, de nossas reflexões. O desejo reflete parte do/s nosso/s significado/s. Para Nelson Rodrigues, a única coisa que dura além da vida e da morte é o amor. Eu prefiro acreditar que o mais importante em nossas vidas é o desejo que o ato de amar nos proporciona. Por isso, vivamos a vida! Celebremos o toque. Entremos de corpo e alma no bonde dessa vida chamada desejo. Por fim, desejemos à vontade, sem medo e de coração aberto.



Cena do filme Uma Rua Chamada Pecado (1951), de Elia Kazan

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Is Death the Opposite of Life?


NÓS E A MORTE:
um encontro inevitável



Cena do filme As Horas (2002), de Stephen Daldry

Devo confessar que o filme As Horas me emociona muito. Especialmente nesta cena da morte do pássaro, que denota parte dos conflitos vividos por Virginia Woolf (Nocole Kidman), me dou conta de como estamos despreparados/as para compreender o sentido de nossa existência. Por que estamos vivos/as? "O que acontece quando morremos?" Será que voltamos para o lugar de onde viemos? Mas afinal, de onde viemos? Tudo isso parece muito complicado, não é? Pois bem, são mistérios que envolvem nossa condição humana. Aos poucos, adentramos as portas de outro plano. De repente, nos tornamos vítimas de nossa própria efemeridade. E já não há mais amor, nem medo, nem sofrimento. O que há somos nós e a morte.


Segue um Poema para Reflexão ...

Moises - Frida Kahlo (1945)


XXX


O Tempo e sua fome.
Volúpia e Esquecimento
Sobre os arcos da vida.
Rigor sobre o nosso momento.

O Tempo e sua mandíbula.
Musgo e furor
Sobre os nossos altares.
Um dia, geometrias de luz.
Mais dia nada somos.

Tempo e humildade.
Nossos nomes. Carne.
Devora-me, meu ódio-amor,
Sob o clarão cruel das despedidas.


(Hilda Hilst)


Tempos de Faculdade ...


S A U D A D E S ...


Queridas/os colegas, amigas/os e professoras/es,
quero agradecê-las/os pelos quatro anos de alegrias, descobertas, obstáculos, conquistas, decepções e, é claro, de muita aprendizagem. Quero, ainda, agradecê-las/os pelos conflitos, pois foi com eles que aprendi a encarar a vida e suas inúmeras contradições de frente. Em outras palavras, foi com eles que amadureci. Com eles, me tornei professor e hoje ... tenho consciência do meu papel na luta por uma sociedade mais igualitária. Enfim, muito obrigado por tudo! E saibam que com vocês eu vivi os melhores momentos de toda minha vida.

A todas/os, o meu sorriso e minhas lágrimas de saudade!




Quatro anos ...
de muito aprendizado, de descobertas.
Alegrias muitas. Algumas decepções.
No final, um sentimento estranho.
Uma lacuna. Sinto vontade de chorar
pelo tempo que não mais terei comigo.
Dele, restam-me apenas lembranças
e um grito de saudade.
Sinto-me aliviado, de certa forma.
À espera de novos desafios
e de novas histórias.

(Marco Túlio de Urzêda Freitas)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Falando sobre Racismo

O "VIVER A VIDA" DE UMA MULHER NEGRA NO HORÁRIO NOBRE

Marco Túlio de Urzêda Freitas



Como noveleiro de plantão, desde o início do ano venho acompanhando os preparativos para a estréia de Viver a Vida, a nova novela de Manoel Carlos. Apesar de ser fã do autor, pois para mim seus diálogos são mais verdadeiros e menos ... convencionais do que os de outros nomes da teledramaturgia nacional, devo confessar que o que mais me alegrou foi saber que desta vez teríamos uma Helena mais jovem e negra na telinha. Há quem diga que isso não significa nada, alegando que “tanto faz a cor da personagem”. Afinal de contas, “no Brasil não há racismo; as pessoas são todas iguais e frutos de uma linda mistura”. Contudo, se analisarmos atentamente a situação das pessoas negras no Brasil, veremos que ter uma mulher negra no horário nobre significa muito; mais até do que poderíamos imaginar.


Primeiro capítulo da novela. Taís Araújo, a atriz escolhida pelo próprio Maneco para dar vida a mais uma de suas heroínas, aparece linda e de cabelos longos, encaracolados, volumosos e soltos. Que imagem maravilhosa! Na verdade, algo exótico e ... muito diferente do padrão de beleza com o qual estamos habituados/as; claro, se levarmos em consideração o fato de que a televisão, as revistas, os jornais e demais meios de comunicação tendem a colocar o estilo branco como sendo a única possibilidade estética de sucesso e, por incrível que pareça, de aceitação e até mesmo de felicidade. Aliás, talvez eu esteja sendo um pouco radical, pois muitos catálogos de moda costumam trazer a imagem de uma mulher negra e de cabelos crespos ao lado ou no meio de algumas outras mulheres brancas, de olhos mais claros e de cabelos ... extremamente lisos. Um belo prêmio de consolação, não é mesmo? Resultado?! Nenhum/a brasileiro/a quer ter cabelos encaracolados ou crespos, visto que o mercado requer pessoas de boa aparência, o que significa, entre outras coisas, ter cabelos escorridos ou levemente ondulados nas pontas. O que isso quer dizer? Infelizmente, para a grande maioria dos/as brasileiros/as, nada. Tudo não passa de uma tendência. Algo normal. Poucos/as são aqueles/as que enxergam nessa ditadura do cabelo liso uma espécie de violência ao corpo e, principalmente, à subjetividade humana.


Sendo assim, por mais que muitas pessoas discordem, eu acredito que a imagem dessa nova Helena pode, ainda que timidamente, produzir efeitos positivos em âmbito social. Só para se ter uma ideia, mesmo não concordando ou achando feio, milhões de telespectadores/as serão obrigados/as a se deparar com a figura de Taís Araújo todas as noites na pele não de uma empregada doméstica, como temos visto acontecer com várias atrizes negras no Brasil, mas na de protagonista de uma novela das oito. E isso, meus/minhas amigos/as, é fa-bu-lo-so! Uma verdadeira subversão de paradigmas. Em outras palavras, o cabelo de Taís, que aqui representa o cabelo das pessoas negras, pode saltar da posição de estilo subalterno para padrão de beleza. Entretanto, para que isso ocorra, não é preciso que todos/as comecem a repudiar os cabelos lisos. Não é isso! A questão é que, ao se depararem dia após dia com a imagem dessa Helena negra e de cabelos encaracolados, muitas mulheres e homens negras/os e brancas/as comecem a enxergar a beleza que existe nos cachos e no volume desse cabelo sociohistoricamente tachado como feio, inadequado, de má qualidade ou simplesmente ... “ruim”. Trata-se, portanto, de perceber o belo de outras formas e, assim, tomar consciência de que toda padronização, por mais simples e convencional que seja (ou pareça ser), acaba sendo discriminatória e desumanamente opressiva.



Nessa mesma linha de raciocínio, já que estamos falando do “viver a vida” de uma mulher negra no horário nobre, acho que não seria correto ignorar os conflitos vividos por essa Helena tão fora dos padrões impostos pela mídia. A princípio, devo reconhecer outro ponto positivo da nova trama de Manoel Carlos: mostrar uma mulher negra bem sucedida, que batalhou muito e superou muitos preconceitos para chegar aonde chegou. Afinal, venhamos e convenhamos que ser mulher e negra no Brasil não é nenhuma vantagem. Os relatórios do IPEA que o digam! No entanto, é válido observar que entre os vários conflitos que permeiam a vida de Helena, um se sobressai: o aborto que ela fez para garantir um contrato de trabalho como modelo. E agora, José?! Que tipo de Helena é essa (leia-se, heroína) que conquista o sucesso a partir da morte de um filho? Claro, em nome de Deus e dos princípios de vida propagados pelo “cristianismo”, nessas horas todo mundo se acha no direito e no dever de apontá-la como aquela que matou o próprio filho, alegando que a decisão de uma mulher pelo aborto se configura como algo imperdoável. Sendo negra, então ... nossa, mas que absurdo! Quem ela pensa que é?


Sinceramente, após refletir sobre os eventos que motivaram e sucederam a tragédia ocorrida com Luciana, personagem de Alline Moraes em Viver a Vida, me faço as seguintes perguntas: Por que justo nesta novela Maneco fez tanta questão de uma atriz negra? Será que a sua escolha por Taís Araújo não foi, de alguma forma, influenciada pela categoria raça? Bem, na posição de um mero telespectador, ouso propor algumas reflexões a partir de três cenas que considero mais ... problemáticas: a conversa entre Tereza, mãe de Luciana, interpretada por Lilia Cabral, e Helena; a discussão entre Helena e Luciana momentos antes de elas partirem de volta para o Brasil; e o “acerto de contas” entre Tereza e Helena, que aconteceu logo após a divulgação do diagnóstico de Luciana. Na primeira, temos a figura de uma mãe que pede à mulher de seu ex-marido para cuidar de sua filha e a de uma madrasta que aceita ser a mãe-postiça de sua enteada. Na segunda, temos a imagem de uma garota mimada que leva uma bofetada da madrasta e a de uma madrasta profundamente ofendida por sua enteada. Por fim, na terceira, temos a figura de uma mãe fragilizada pela situação de tetraplegia da filha e a de uma madrasta que leva uma bofetada no rosto após se ajoelhar para pedir perdão pelos transtornos que ela acredita ter causado a sua enteada.


Em síntese, é possível afirmar que essas três cenas apontam para o fato de que Helena não conseguiu ser a mãe-postiça (ou, como diz uma velha amiga, ser a “mãe preta”) de Luciana. Por esse motivo, com vistas a um melhor entendimento de minhas indagações, proponho uma análise do que aconteceu durante a viagem das duas modelos à Jordânia. Primeiro, venhamos e convenhamos que Helena foi um poço de maturidade e paciência por ter aturado aquela garota mimada durante tanto tempo. E outra, duvido que alguma mulher que se arrependa de ter feito um aborto não reagisse da forma como Helena reagiu diante de uma ofensa do porte da que foi proferida por Luciana. Muito bem feito para ela! Entretanto, não tenho dúvidas de que o que mais pesou nessa sequência de eventos que sobrevieram à fatalidade ocorrida com a personagem de Alline Moraes foi a cena em que Tereza, uma mulher branca, não apenas reforçou a ideia do aborto de Helena como sendo algo imperdoável, como também se achou no dever e no direito de esbofeteá-la e de reiterar o insulto proferido pela filha, dizendo que agora ela teria que “tentar ser feliz com seus dois crimes”: o aborto e o acidente de Luciana.


Na minha opinião, essa bofetada representa muito mais do que a rivalidade entre duas mulheres; ela resgata, simbolicamente, nossa triste história de subserviência, autoritarismo e exploração. Em outras palavras, o que as mulheres negras merecem? Resposta: so-fri-men-to! Mas não estou dizendo que, ao escolher Tais Araújo para viver mais uma de suas heroínas, Manoel Carlos tenha pretendido reiterar discursos de dominação contra as pessoas negras; pelo menos não conscientemente. No entanto, há de se considerar que a simbologia desse tapa que Tereza deu em Helena nos remete, sim, ao período de escravidão no Brasil. E o que mais me instiga a fazer tais apontamentos é o fato de que nenhuma das outras Helenas criadas pelo autor, a saber, todas vividas por atrizes brancas, sofreu tanto e foi tão humilhada quanto a protagonista de Viver a Vida. Tudo bem, são níveis diferentes de sofrimento, mas nenhuma delas teve que se humilhar a ponto de receber um tapa no rosto como resposta a um pedido de perdão. Talvez por isso muitos homens e mulheres que, como eu, não conseguem mais dizer “sim” às práticas de um sistema culturalmente racista, tenham visto nessa cena a figura de uma mulher negra, “habitante da senzala”, que foi punida por sua “senhora”, uma mulher branca, bem vestida e que mora na “casa grande”. Outra vez, devo ressaltar que Maneco provavelmente não fez tudo isso de caso pensado; muito menos pretendeu colocar a mulher negra em uma posição de subalternidade. Contudo, penso que mesmo acreditando nas suas “boas intenções”, é interessante que não desconsideremos os elementos simbólicos que emergem da sua tão comentada “história de superação”. Afinal, a grande maioria dos discursos reproduzidos pelo ser humano, inclusive aqueles de viés racista, advém do que se convencionou chamar de “natural”, “correto” e “apropriado” nas relações sociais; portanto, ao fazê-lo, estamos simplesmente reproduzindo o que fomos educados/as para reproduzir: a diferença, o preconceito e a discriminação.


Para concluir, gostaria de dizer que da proposta de afirmação do cabelo crespo aos conflitos vividos pela personagem de Taís Araújo em Viver a Vida, continuo acreditando que ter uma mulher negra no horário nobre significa muito. A questão é como a vida dessa mulher tem sido apresentada aos/às telespectadores/as. Na última semana, por exemplo, tive uma conversa com alguns/algumas amigos/as sobre a novela. Eles/as disseram que Helena “estava se apagando na história” e que o lugar de protagonista estava sendo aos poucos tomado pelas atrizes Alline Moraes e Lilia Cabral. Nossa, mas isso foi um tapa na minha cara! Como isso poderia estar acontecendo? Será que a presença (leia-se, representatividade) dessa nova Helena se limitava mesmo ao aborto e à culpa pelo acidente ocorrido com Luciana? Do fundo do meu coração, espero que essas ideias não se confirmem, pois não considero justo que algumas pessoas continuem achando que o talento de Taís Araújo se restringe a sua interpretação como a "tinhosa" e sexualizada Xica da Silva. Afinal de contas, que mudança queremos para o Brasil? Ou melhor, o que precisa ser mudado? Qual é o papel da mídia no combate aos diversos tipos de opressão, entre as quais se destaca o racismo? É dever de uma novela reproduzir o discurso de que o aborto é errado e de que a mulher negra sempre é culpada pelas desgraças da humanidade? Por que o viver de uma mulher negra tem que ser mais penoso do que o de uma mulher branca? Essas são questões que considero importantes para uma reflexão posterior à leitura deste texto. No que se refere aos próximos capítulos da novela, continuemos esperando, esperando e esperando ... por algo mais crítico e socialmente relevante, assim como as pessoas negras têm esperado, dia após dia e, na maioria das vezes, em silêncio, por sua verdadeira libertação.




Abaixo segue um texto, em inglês, escrito por Glena Roberts. Trata-se da opinião de uma mulher negra sobre a libertação dos cabelos. Muito interessante!




Straightening our Black Hair is More than a Style Preference

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Glenor Roberts

Hannah Pool suggested that when an African woman straightens her hair it is simply a "hair choice", and has nothing to do with self-hatred or shame about her ethnicity (Going straight, 18 September).


I am a 52-year-old Caribbean-born African woman who understands that, as an elder, what I do and how I represent myself can influence younger people. I have always worn my hair naturally – now in Nubian locks – and I like my hair. I work with young people who are desperate to see positive images of themselves in order to build a strong identity.


Pool quotes soul singer Beverley Knight, who says about her straightened hair that she would find it "insulting, degrading and malevolent" if it was thought she was in some way ashamed of her ethnicity. Of course, it is OK to choose to have your hair that way. I would only ask: what about the millions of black kids watching, wishing to emulate your success, seeing the erosion of that aspect of your African-ness alongside the image of your success?


Pool acknowledges: "It's not just black women who wear weaves. But the big difference is that when white women pile on the extensions, no one accuses them of self-hatred, of trying to be something they are not." She also understands the "seduction" of straight hair. It would have been helpful therefore to ask those she interviewed about how they have constructed their self-image, and to explore the messages black people in the public eye could be communicating to others.


An African friend of mine already has her five-year-old wearing extensions, telling me that it looks "nicer". In my 11-year-old niece's school there is not one black girl who shows her natural hair. Pool had her "straight-hair moment" and "didn't hate it; in fact … rather liked it … It even swished from side to side". It is true that for some people – as it did for Pool – wearing an afro might say "I'm confident enough to wear my hair as it comes". For many others, wearing hair naturally is also just about being quietly true to oneself.


For me, it's not that black is beautiful. It's that white is not the only thing that is beautiful. In her book Sisters of the Yam: Black Women and Self Recovery, bell hooks talked of a specific black child's desire for long, blond hair. The writer encouraged the mother to examine her own attitudes about skin colour, hair texture and how she had constructed her own body image.


All youngsters question issues of identity and look at themselves in new ways. As a member of a group targeted by racism, it is natural for black youngsters to examine and seek racial identity earlier than others. It is perhaps also natural for them to try to resist the stereotypes and establish new definitions and alternative images of themselves.


A black child's "hair choice" may not necessarily be rooted in shame and sadness; a woman's choice for straight hair is not necessarily a sign of internalised oppression. But when most women are doing it, it reinforces the idea to an observant youngster that straight is better. If the strong, positive and uncompromising images young people seek are missing, what choices do we suppose they will make?



Glenor Roberts trabalha com jovens, crianças e famílias.


Contato: glenor.roberts@googlemail.com



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